domingo, 21 de março de 2010

Segunda-feira bem normal

„Bom dia, meu amor!“Me desperta meu marido com o seu indestrutível “sorriso de escoteiro”.É claro que às seis da manhã ele não espera como resposta nada além de um “eufórico” murmúrio mal humorado.
“ Você por acaso passou as minhas calças?” Eu aponto para o guarda-roupas onde com certeza estão pelo menos uma meia dúzia delas,sem me dignar a pensar em levantar dos lençois e me viro para o lado,disposta a aproveitar cada minuto em que eu possa continuar deitada nessa manhã gélida e cinza.Mas meu marido, que além do sorriso também tem uma “perseverança gentil” indestrutível,continua seu monólogo matinal: “Essas são muito desconfortáveis,hoje eu vou trabalhar com os alunos pequenos e preciso estar em todos os lugares ao mesmo tempo.”(Claro que ele pronuncia essas palavras com a delicadeza de um lorde inglês me convidando para a caça à raposa, o que faz com que eu pareça um orangotango mal adestrado.)
Me levanto e penso na sabedoria divina que não nos deu o poder de matar com olhar, pego a tábua de passar, que diga-se de passagem é um trambolho com tanque para água, pesa uma tonelada e demora uma eternidade para finalmente transformar essa água em vapor e passar para o ferro,procuro, resignada, uma calça adequada,passo e a entrego ao meu marido.Essa é só uma das suas técnicas.(Que são mais instintivas do que planejadas).A outra consiste em aparecer já vestido com a calça escolhida sem passar,com aquela aparência de ter acabado de sair de alguma trituradora e dar o seu bom dia,com a cara mais inocente do mundo (mas esse é o tratamento de choque,porque assim me levanto imediatamente,indignada e ferida nos meus brios de esposa e vou passar as calcas).
Agora é hora de começar o dia... levar o filho até o ponto de ônibus,tentar organizar de alguma maneira todas aquelas tarefas domésticas que você já fez no dia anterior e que parecem estar sem fazer há meses,colocar rapidinho as roupas na máquina de lavar,porque com sorte, talvez eu consiga colocá-las para secar antes de ir trabalhar.Arrumar a cozinha,antes de tomar uma chuveirada e escolher uma roupa para o trabalho.Enquanto isso telefono para R.,que tem duas filhas e consequentemente mais trabalho(pentear,vestir,discutir e explicar porque esse casaco e não aquele,por que V.,deveria usar essa bota e não aquela,etc...).Hoje não podemos nos encontrar para um cafezinho rápido porque além dos eternos afazeres domésticos R.trabalha em dois consultórios e depois do trabalho,precisa preparar o almoço e depois do almoço ,limpar as escadas do prédio onde mora.(Não,ela não é a zeladora do prédio.Todos os moradores do prédio tem um dia definido para limpar as escadas).
Tiro a neve do carro, raspo o gelo dos vidros,enquanto olho para os flocos gigantescos que caem quase sem interrupção, e me pergunto pela décima vez : “Será que vai dar praia?” ( essa piadinha sempre ajuda nos dias mais tenebrosos,quando tudo está soterrado e o vento “cantando” nos ouvidos, fazendo o meu humor descer mais alguns pontos- se é que isso é possível.)
Chego no meu “emprego dos sonhos”,onde a chefe parecia ter engolido um sapo cururu sem molho e sem mastigar e questiono novamente o não poder matar com o olhar (mas nessa situação eu teria de ser “rápida no gatilho”).
Ela havia estado em uma reunião no escritório central em Munique,onde foi apresentada a nova coleção e onde seriam discutidas as diretrizes para a próxima estação.Só que para seu azar, eu, que havia me preparado há dias para essa reuniäo,com estratégias de marketing e mechandising,que pudessem ser aplicadas na filial,ideias para o treinamento de pessoal,etc,etc, havia ficado doente e não pude acompanhá-la.E ela, que havia tirado férias nesse período,e estava mais preocupada com qual Outfit poderia causar a melhor impressão,estava sozinha com a sua incompetência uma vez que eu nem pude lhe entregar os meus rascunhos.
Depois de um debate (que eu não sei se descreveria como tórrido ou gélido) sobre a “minha” falta de competência,estava pronta para iniciar o trabalho:
Sorrir, aconselhar as clientes,receber a decoradora,dizer lhe ,gentilmente, que não, nós ainda não colocaríamos aquele vestidinho lindo de paetês essa semana na vitrine,porque isso não seria realmente convidativo,com uma temperatura de dez graus negativos.Sorrir novamente,aconselhar outra cliente,consolar outra,que compra roupas para compensar a falta de amor,tratar aquela perua enjoada e arrogante(que apesar de enjoada e arrogante,só compra na liquidação) como a rainha de Sabá,dizer à colega que não se coloca a mão no bolso detrás enquanto se conversa com a cliente,sorrir novamente,subir dois lances de escada cada vez que uma cliente que experimentar uma camiseta (porque na loja a coleção é apresentada em tamanho 34)descer esses mesmos lances de escadacom com um salto de dez centímetros,escrever o relatório da semana,ver a chefe fazer uma devolução no meu nome apesar de ser uma cliente dela,ou vender no nome dela apesar de eu ter feito quatro horas de aconselhamento,etc.
Dezoito horas,e eu posso finalmente esquecer tudo isso voltar para o aconchego do lar,onde com certeza, o maridinho já havia preparado uma comidinha. (Ele sempre faz isso nos dias em que eu estou trabalhando fora de casa. Ele não é um amor?)
“Oi,amor hoje eu tenho o encontro da sociedade dos pescadores com mosca.As crianças ainda não comeram,você não precisa cozinhar nada para mim,eu já estou de saída e vou comer lá,tá?!Amo você.Tchau.”
“!!!”
Depois do jantar,consigo "convencer" minha filha à arrumar a cozinha(“Você vai arruma essa cozinha,sim! E A-GO-RA!”) Ignoro o seu “que saco!” resmungado entre os dentes, enquanto coloco seu irmão para escovar os dele("você chama ISSO de escovar os dentes? Pode voltar e escovar novamente!") e ir para a cama sem que eu precise ficar no quarto até que ele adormeça(“Meu filho,eu já te dei trinta beijos de boa noite, agora DORME!).
Vinte e uma horas.
Deito no sofá, exausta,sem animo sequer para atender o telefone (R.,agora teria tempo para conversar) ou tirar a maquiagem, me cubro até o queixo,ligo a TV e relaxo assistindo à uma das minhas séries preferidas:
“Donas de casa desesperadas”.

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